Ir para o conteúdo principal

Notícias

Após quase dois anos de luta, famílias da ocupação Lanceiros Negros são despejadas com violência de prédio abandonado no centro de Porto Alegre

Com o apoio dos advogados Diogo Silveira dos Santos, Elisa Torelly e Tainá Krüger Cavalheiro, do Escritório Paese, Ferreira, a ocupação Lanceiros Negros vinha resistindo às tentativas do Estado em despejar mais de 30 crianças e suas famílias nas ruas de Porto Alegre. Reivindicando o direito à moradia e à cidade, cerca de 70 famílias oriundas dos Bairros Morro da Cruz, Nova Chocolatão, Lomba do Pinheiro e Ilhas ocupavam a antiga sede do Ministério Público Estadual, desde o dia 15 de novembro de 2015. O prédio público localizado nas esquinas das ruas General Câmara e Andrade Neves, no Centro da Capital, estava abandonado há 12 anos. 

Na noite do dia 14 de junho, véspera de feriado de Corpus Christi, entretanto, a Brigada Militar executou a reintegração de posse, cumprindo a decisão judicial da juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que determinava a desocupação, em caráter de urgência. A magistrada recomendou “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”, o que resultou em uma ação de guerra contra famílias e crianças, em uma noite fria de Porto Alegre, para não “atrapalhar” o funcionamento da cidade. 

No ano passado, na madrugada de 24 de maio de 2016, a equipe de advogados conseguiu interromper o cumprimento da ordem de reintegração, ao obter, no plantão do TJRS, liminar com efeito suspensivo. No entanto, em agosto de 2016, a 3ª Vice-Presidência do TJRS deixou de admitir os recursos, revogando a decisão que suspendera a liminar de reintegração. Diante dessa nova decisão, foi apresentado agravo de admissibilidade, que está pautado para julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça em 27 de junho de 2017.

Lamentavelmente, antes do julgamento do recurso pelo STJ, a Juíza da primeira instância determinou a expedição de mandado de reintegração de posse, autorizando, inconstitucionalmente, o cumprimento da medida fora do horário de expediente. Tal decisão deixou de considerar que o imóvel era usado como casa por aquelas famílias, e a Constituição da República estabelece que o cumprimento de decisões judiciais como essa ocorra, obrigatoriamente, de dia. Tampouco observou que é dever do Estado garantir proteção integral às crianças e adolescentes residentes no imóvel desocupado, o que foi absolutamente desconsiderado, se observado que os menores foram colocados na rua numa noite fria, com a única perspectiva de ir com seus pertences para um ginásio precário.

Contra a decisão, foi apresentado agravo de instrumento no plantão do TJRS, mas a Desembargadora Plantonista, Adriana da Silva Ribeiro, indeferiu o pedido de suspensão imediata do cumprimento da reintegração.

Violência e bombas marcaram reintegração de posse

A preocupação em evitar transtornos no centro da cidade acabou esbarrando em decisões operacionais da própria Brigada Militar, que transformou a área da operação de despejo em uma praça de guerra. Menos de uma hora antes da entrada em cena dos batalhões de choque da Brigada Militar, começava na Assembleia Legislativa uma audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Casa para tratar da situação dos moradores da Ocupação Lanceiros Negros. O deputado Jeferson Fernandes (PT), presidente da Comissão, transferiu a audiência pública para a frente da ocupação.

A Brigada não esperou o deslocamento da audiência pública para o prédio da Lanceiros. Quando viu a movimentação, lançou uma primeira ofensiva coberta por bombas de gás contra a multidão que se concentrava em frente ao prédio da Ocupação. No início da noite, a antiga rua da Ladeira já havia se transformado em uma praça de guerra. O deputado Jeferson Fernandes formou, juntamente com integrantes do movimento, um bloco em frente à porta de entrada do prédio, que tentou iniciar um processo de negociação com os oficiais de Justiça. Estes chegaram protegidos por dezenas de homens do choque da Brigada Militar, acompanhados por viaturas e por um helicóptero, para efetivar a ação de despejo. Inflexíveis, os oficiais de justiça argumentaram que decisão judicial não se discute e ameaçaram dar voz de prisão a quem se opusesse aos policiais. A Brigada entrou em ação com sprays de pimenta, cassetetes, escudos e outras ferramentas. Após essa investida, o deputado Jeferson Fernandes foi detido. Pelo menos outras sete pessoas foram levadas presas na operação.

Afastado à força o grupo que tentava proteger a entrada da ocupação, a Brigada Militar iniciou uma nova fase da operação, que consistiu em colocar abaixo o portão de entrada do prédio com um cabo amarrado a um veículo da corporação. Apesar da presença de crianças na ocupação, a ação da Brigada não foi acompanhada por integrantes do Conselho Tutelar. Consumada a derrubada do portão de entrada do prédio, os primeiros moradores que desceram à rua relataram o uso de spray de pimenta pelos policiais que teria atingido inclusive crianças, que tiveram crises de pânico e vômitos. Além disso, relataram ainda, vários brigadianos teriam feito chacota das famílias da ocupação e de seus pertences, com manifestações provocadoras e desrespeitosas.

Por volta das 21h30min, caminhões da Emater e uma van começaram a chegar ao local para transportar os bens das famílias despejadas. Das janelas de prédios vizinhos à ocupação, alguns moradores protestaram contra a ação da Brigada. “Covardia” foi uma das palavras mais utilizadas. Segundo nota divulgada pelo governo do Estado, as famílias foram levadas ao Vida Centro Humanístico, no bairro Sarandi.

Por volta da meia noite, uma nova leva de bombas de gás foi lançada contra um pequeno grupo que ainda se manifestava nas imediações da rua da Praia. Na antiga porta de entrada da ocupação, destruída pela ação da Brigada, um soldado encapuzado acompanhava a retirada dos pertences dos moradores.

Finalizada a operação de reintegração, as famílias descobriram que o Vida Centro Humanístico era, em verdade, um ginásio sem a mínima estrutura de acolhimento. E, 24 horas depois, dele foram obrigadas a se retirar.

Entidades repudiam ação do governo

Diversas entidades manifestaram seu repúdio a forma como a reintegração de posse foi feita, através de notas oficiais. A ocupação Lanceiros Negros também divulgou uma nota, rebatendo a manifestação oficial do Governo. Confira:

Ocupação Lanceiros Negros MLB – RS

AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul

  

AJD – Associação Juízes para a Democracia

ADPERGS – Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul

OAB/RS – Ordem dos Advogados do Brasil - Rio Grande do Sul

Fonte: Comunicare Assessoria, com informações do Sul21
Fotos: Guilherme Santos/Sul21