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Artigos

O povo é quem mais ordena

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Por: Thiago Cecchini Brunetto

Há 46 anos, à 0h20 de 25 de abril de 1974, a rádio Renascença, pertencente à Igreja, pôs no ar a canção de Zeca Afonso Grândola, Vila Morena, que fala de igualdade, fraternidade e de um excêntrico lugar no qual o povo é quem mais ordena. Era a senha, deveras poética, para o início da Revolução dos Cravos. No fim do dia, o primeiro-ministro Marcelo Caetano – que sucedera Salazar –, depois de refugiar-se no Quartel do Carmo, em Lisboa, rendeu-se: tinha termo, passados 42 anos, o fascismo salazarista em Portugal.

Caetano, apeado, exilou-se, de imediato, no Rio de Janeiro. Jurista de renome, visitou, em 1975, Porto Alegre, para ser homenageado na Faculdade de Direito da UFRGS. Os alunos, através do Centro Acadêmico André da Rocha, organizaram-se para distribuir, na entrada do Salão Nobre, cravos vermelhos. Inicialmente, o gesto foi elogiado, até que alguém deu o alarme: aquelas flores eram o símbolo da revolução que pusera fim ao autoritarismo lusitano!

Flagrados, disseram aquilo que os professores fingiam não saber: a homenagem envergonhava a Faculdade, afinal Caetano representava a ditadura, a censura à mídia e aos espetáculos, a proibição do divórcio, a injustificável intimidação através da polícia política, a violência do colonialismo ultramarino. Os dias, no Brasil, eram plúmbeos e as instituições ainda serviam à ditadura: alguns alunos tiveram que enfrentar o constrangimento de processos disciplinares e apontamentos para a Polícia Federal.

Também por aqui, conquistamos novos paradigmas. A Constituição de 1988 restabeleceu as liberdades democráticas e livrou os órgãos de Estado, com os princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade, do dever de atender ao alvedrio dos governantes. Daí a gravidade das denúncias de Moro: a Polícia Federal não é milícia e não está a serviço do presidente e de seus filhos e correligionários. Trata-se de arroubo autoritário inadmissível, típico de quem, desde sempre proposto à vilania de buscar a desforra do fim melancólico da ditadura, foi alçado à presidência com o auxílio inestimável da atuação do juiz que fez ministro.

Thiago Cecchini Brunetto é advogado e atua na área de Direito Público, tratando de questões de interesse de servidores públicos e de suas entidades representativas

Artigo publicado no site Sul21 no dia 27/04/2020

Foto: Reprodução/Youtube