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A Reforma da Previdência e a apropriação do Fundo Público Previdenciário pelo mercado financeiro

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Por: Tiago Gornicki Schneider

Desde que iniciaram os debates da nova (Contra) Reforma da Previdência, temos alertado que a pretensão, combinada com a PEC do teto de gastos, nada mais é do que liberar orçamento público para apropriação pelo sistema financeiro (Fique por Dentro nº 7/2017). Com a divulgação em diversos meios de imprensa da possível proposta do atual Governo Federal (Fontes: Conjur, Valor Econômico e Estadão), a assertiva se confirma.

Entre as diversas alterações trazidas pela referida proposta, está inserido de forma quase imperceptível um mecanismo de pura e simples transferência de recursos públicos para o sistema financeiro. Trata-se da inclusão do parágrafo quarto no artigo 249 da Constituição Federal: “§4º. A entidade gestora poderá ceder onerosamente os direitos originários de créditos tributários e não tributários inadimplidos, inscritos ou não em dívida ativa, bem como as receitas próprias geradas pelos impostos e os recursos provenientes de transferências constitucionais que forem aportados aos fundos previdenciários, não configurando dívida ou garantia para o ente federativo”.

A proposta é muito semelhante à que tramita no PLP 459/2017 e é conhecida como esquema de securitização de créditos públicos; busca-se legalizar mecanismo de endividamento dos entes federativos, que já se mostrou, na prática, extremamente lesivo ao interesse público. Em linhas gerais, o ente federativo cede direito de créditos inadimplidos, mas garante o retorno para o adquirente através do fluxo normal da receita; ou seja, embora se alegue que isso sirva para remunerar o crédito de difícil cobrança, na prática o que garante o retorno do investidor é a receita ordinariamente recebida pelo ente federativo. Na prática, parte das contribuições previdenciárias, ao invés de ser utilizada para o pagamento dos benefícios, será desviada para o ganho de alguns poucos e influentes investidores. 

Embora careça de amparo legal, esse tipo de mecanismo tem sido implantado em diversas esferas; justamente por se tratar de uma forma de endividamento disfarçado, que contraria todas as normas orçamentárias, o seu avanço tem sido contido. A título exemplificativo, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul sustou a criação do InvestPOA e o Tribunal de Contas do Estado do Paraná proibiu a cessão de direitos creditórios Companhia Paranaense de Securitização. Em Belo Horizonte, a empresa PBH Ativos S/A efetivou tais operações, vindo a ser criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema.

Com a análise da documentação obtida pela CPI, foi possível identificar que as operações foram prejudiciais ao orçamento público. Sob a falsa alegação de receber por créditos de difícil recuperação, na prática acaba sendo gerada dívida ao ente federativo, que é garantida pela receita fiscal ordinária, com mecanismos que desviam o ingresso dos valores nos cofres públicos antes mesmo da sua arrecadação. No caso de Belo Horizonte, o BTG Pactual adquiriu todos os papéis emitidos pela PBH Ativos, em 2014, por R$ 200 milhões; entre abril de 2014 e junho de 2017, o banco recebeu quase R$ 260 milhões de retorno, e a operação ainda permanecerá por mais quatro anos.

A Auditoria Cidadã da Dívida tem feito um trabalho de apuração, esclarecimento e denúncia de todo sistema da dívida pública, inclusive desse esquema de securitização de créditos públicos (sobre BH). Impõe-se lembrar que a securitização de créditos imobiliários foi dos grandes responsáveis pela crise internacional de 2008. Já o esquema que está inserido nessa proposta de reforma previdenciária é semelhante ao praticado na Europa, que serviu de combustível para o endividamento da Grécia.

Em suma, além de retirar direitos dos trabalhadores, a proposta de reforma previdenciária deixa bem claro que pretende direcionar os recursos orçamentários que forem liberados ao mercado financeiro, através de esquemas que já se mostraram, nacional e internacionalmente, lesivos aos cofres públicos e significam, na prática, a apropriação privada e indevida do fundo público de previdência. 

Tiago Gornicki Schneider é advogado na área de Direito Público, tratando de questões de interesse de servidores públicos e de suas entidades representativas.