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A extensão do conceito de Integralidade dos Proventos

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Por: Glênio Ohlweiler Ferreira e Marcelo Lipert

A maior preocupação dos servidores públicos nos últimos anos tem sido com a manutenção de um patamar digno de subsistência na aposentadoria: a dúvida que paira no espírito dos servidores reside, sempre, na forma como serão apurados os seus proventos, quais vantagens serão mantidas e quais suprimidas.

A garantia constitucional da integralidade dos proventos – resguardado aos que ingressaram no serviço público antes da Emenda Constitucional nº 41, de 19-12-2003 – teve seu conceito relativizado pelo Judiciário, a ponto de impedir que o servidor possa, efetivamente, aposentar-se na estrita observância da última remuneração de seu cargo efetivo. Com a quebra da isonomia vencimental entre os Poderes, inaugurada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04-06-1998, foram criadas carreiras diferenciadas no serviço público, em cujas estruturas remuneratórias foram instituídas as chamadas gratificações de desempenho, com previsão de pagamento vinculado a processo de avaliação e parcialmente atrelado ao exercício individual das atribuições do cargo. Essa espécie remuneratória, em especial, tem sido interpretada como não extensível em sua totalidade aos proventos da inatividade, o que tem gerado um retardo generalizado na busca pelas aposentadorias: o servidor, na expectativa de que a superveniência de alguma medida – legal ou judicial ­– possa preservar a sua capacidade aquisitiva, acaba por permanecer em atividade, na certeza de que, uma vez aposentado, sofrerá sensível redução estipendial, especialmente no que toca à gratificação de desempenho, que, por expressa previsão legal, é reduzida ao patamar de 50% do valor pago na ativa.

Nesse contexto, advém a necessidade de se indagar acerca da real extensão da garantia da integralidade dos proventos que remanesce na Lei Maior e respectivas emendas (regras de transição), bem como sobre a autoaplicabilidade ou não dos dispositivos que a preveem.

Na redação originária do art. 40 da Constituição Federal de 1988, o servidor que reunisse os requisitos necessários à aposentadoria voluntária por tempo de serviço, poderia alcançar proventos integrais, sem que, para tal, concorresse a necessidade de edição de norma regulamentadora: a regra era a observância da remuneração do cargo efetivo do servidor, no que se convencionou denominar de integralidade.  

A partir da edição da Emenda Constitucional nº 20, de 16-12-1998, esse conceito passa a ser relativizado, exigindo-se, para a completa eficácia da norma, a edição de lei regulamentadora para a exata definição da forma de cálculo dos proventos: na nova redação do § 3º do art. 40, resta mantida a remuneração do cargo efetivo do servidor, mas a possibilidade dessa remuneração corresponder à totalidade do que esse servidor recebia na ativa passou a ser condicionada a posterior definição por lei específica (na forma da lei). Os servidores que se inativaram na vigência desta emenda (entre 16-12-1998 e 31-12-2003), portanto, tiveram assegurada, nos termos do seu art. 8º, a concessão de aposentadoria com proventos integrais, porém sem a garantia de que essa integralidade correspondesse à totalidade da remuneração.

A Emenda Constitucional nº 41, de 19-12-2003, por sua vez, reproduziu idêntica restrição, exigindo, para a definição da forma de cálculo dos proventos, a edição de um regulamento: tanto na espécie prevista em seu art. 2º, que inaugurou nova forma de apuração dos proventos explicitamente divorciada da última remuneração do cargo efetivo – caso dos que exerceram a faculdade de opção por proventos apurados segundo a média das maiores remunerações –, quanto na definida em seu art. 6º, que resguardou a garantia da integralidade aos que já detinham a condição de servidores na data de sua vigência, é expressa a remessa à definição de critérios “na forma da lei”. Para o caso dos servidores que, na vigência desta emenda, optaram pela aposentadoria na forma do seu art. 2º, esse regulamento veio a ser formalizado com a edição da Lei nº 10.887, de 18-06-2004, que estabeleceu, em seu art. 1º, fórmula de cálculo específica para essa modalidade de aposentadoria. Todavia, em relação aos servidores que tiveram acesso à inativação segundo a regra do art. 6º, não se pode afirmar que tal ou qual diploma legal tenha se prestado a regulamentar a forma de cálculo dos proventos: como já dito alhures, a criação de carreiras diferenciadas no âmbito do serviço público federal trouxe, como regra, a instituição das chamadas gratificações de desempenho como espécie vencimental comum a todas as estruturas remuneratórias, não sendo razoável afirmar, v.g., que uma lei específica de determinada carreira (p. ex., a lei de regência da Carreira do Seguro Social) possa se constituir como uma das normas capazes de restringir esse conceito de integralidade e ainda especificamente no que diz com apenas uma das parcelas que integram a remuneração do servidor. O que parece ter o legislador constituinte exigido é uma regulamentação definidora do todo e não a interferência de uma lei regente de apenas uma parcela da remuneração. Mas isso é mero exercício de raciocínio: o Judiciário não reconhece ao servidor aposentado na forma do art. 6º da EC 41/2003 o direito à incorporação de qualquer gratificação de desempenho – por exemplo, a GDASS (Gratificação de Desempenho de Atividades do Seguro Social) – na pontuação constante da última remuneração percebida pelo servidor em atividade, porque o pagamento dessa vantagem, na forma da legislação que a rege (“na forma da lei”), fica restrita a um teto de 50 (cinquenta) pontos para os inativos. Mesmo que o servidor tenha percebido o patamar máximo de 100 (cem) pontos na atividade, terá reduzido esse montante em 50% assim que aposentado. Essa a integralidade restrita, na forma da lei, que não garantiu propriamente proventos integrais em conformidade com a totalidade da remuneração.  

Entretanto, o conceito de integralidade plena, que balizou a redação originária do art. 40 da Lei Maior, acabou sendo resgatado com a edição da Emenda Constitucional nº 47, de 05-07-2005, que, por seu art. 3º, estabeleceu que o servidor “que tenha ingressado no serviço público até 16-12-1998 poderá aposentar-se com proventos integrais ...”, uma vez preenchidos requisitos especiais, a iniciar, v.g., pelo implemento de um tempo qualificado de serviço público de 25 (vinte e cinco) anos. Tal dispositivo, ao contrário do art. 6º da EC nº 41/2003, não estabeleceu a necessidade de regulamentação da forma de cálculo dos proventos, na medida em que definiu uma regra específica para tanto: a integralidade, que aponta para a observância, na apuração dos proventos, da última remuneração percebida pelo servidor

Em assim sendo, o servidor aposentado com base no art. 3º da EC nº 47/2005 faz jus à incorporação da gratificação de desempenho na pontuação constante da última remuneração percebida na atividade ?

A resposta é afirmativa, mas o Judiciário tem relutado em reconhecer esse direito, pelas mesmas razões invocadas para negá-lo aos inativados com base no art. 6º da EC nº 41/2003 ! E a razão é simples: em todas as leis que regem o pagamento das gratificações de desempenho há uma regra em comum que fixa o patamar máximo de 50% aos aposentados, tenham eles se inativado na forma do art. 6º da EC nº 41/2003 ou mesmo do art. 3º da EC nº 47/2005. A técnica adotada pelo legislador ordinário – equivocada, diga-se – colocou tais dispositivos no mesmo patamar, como se produzissem exatamente o mesmo efeito. É o que se vê, a título exemplificativo, da disposição contida no art. 5º-B, § 6º, inc. II, alínea “a”, da Lei nº 11.355, de 19-10-2006, introduzido pela Lei nº 11.784, de 22-09-2008, in verbis:

 

Art. 5º-B. Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação de Desempenho da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho - GDPST, (...)

(...)

§ 6o Para fins de incorporação da GDPST aos proventos de aposentadoria ou às pensões, serão adotados os seguintes critérios: 

I - para as aposentadorias e pensões instituídas até 19 de fevereiro de 2004, a GDPST será:

a) a partir de 1o de março de 2008, correspondente a 40% (quarenta por cento) do valor máximo do respectivo nível; e 

b) a partir de 1o de janeiro de 2009, correspondente a 50% (cinqüenta por cento) do valor máximo do respectivo nível; e 

II - para as aposentadorias e pensões instituídas após 19 de fevereiro de 2004:

a) quando aos servidores que lhes deram origem se aplicar o disposto nos arts. 3o e 6o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, e no art. 3o da Emenda Constitucional no 47, de 5 de julho de 2005, aplicar-se-ão os percentuais constantes do inciso I deste parágrafo; e 

 

Por tal razão é que se defende que as disposições da legislação regente das gratificações de desempenho que relativizam o conceito de proventos integrais previsto no art. 3º da EC nº 47/2005, ou são inconstitucionais, ou estão sendo interpretados em desconformidade com esse normativo constitucional. 

Nas discussões travadas na via judicial, postula-se, concretamente, ao servidor aposentado na forma do art. 3º da EC nº 47/2005, o direito de perceber a gratificação de desempenho em conformidade com a última pontuação paga na atividade, tenha ele se submetido ou não a processo avaliativo. 

Todavia, em se tratando das chamadas gratificações de desempenho, a discussão travada, via de regra, tem esbarrado na assertiva quase insuperável de que, por força da garantia da paridade entre ativos e inativos, o pagamento da vantagem só seria garantido aos inativos na mesma proporção alcançada aos ativos, se e até quando não houvesse processo de avaliação oficialmente instituído. Essa a orientação estabelecida pelo Plenário do STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 476.279/DF – o leading case a respeito do tema –, no qual se reconheceu que tal espécie remuneratória deteria natureza mista, sendo em parte genérica e em parte pro labore faciendo. Na oportunidade, discutia-se acerca do direito ao pagamento da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, vantagem que, no entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence, haveria de ser estendida aos inativos na mesma proporção paga aos ativos, “... desde o momento em que os servidores ativos passaram a recebê-la sem a necessidade da avaliação de desempenho.” Assim, por força da paridade, os inativos teriam direito à mesma pontuação paga aos ativos nos períodos de não-avaliação, porque aí não haveria fator de discrímen e resultaria caráter geral. Mas não é disso que se trata in casu, não havendo confundir paridade com integralidade, ainda mais na dimensão em que esta última é prevista no art. 3º da EC nº 47/2005: na integralidade, ao contrário da paridade, não há o estabelecimento de qualquer outro paradigma de comparação que não seja a própria remuneração do servidor, já que se está a ponderar a última remuneração do seu cargo efetivo. Não se está a comparar a situação desse servidor, até então na atividade e que foi avaliado com a pontuação máxima da gratificação, com a de qualquer outro servidor. Em outras palavras: na integralidade, não há como se comparar a situação do servidor avaliado com pontuação máxima com a de outro servidor em idêntica situação, ao passo que, na paridade, tem-se o servidor ativo não avaliado como fator de ponderação. 

Sob tal linha de raciocínio, não se pode invocar a imputada natureza pro labore faciendo da vantagem como óbice intransponível à sua integral incorporação aos proventos de aposentadoria regrados pelo art. 3º da EC nº 47/2005. Na definição de Hely Lopes Meirelles, constituem-se como vantagens pro labore faciendo ou propter laborem aquelas que “só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja...”, de modo que, “cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão do seu pagamento.” 

A partir dessa conceituação da doutrina clássica do Direito Administrativo, ousamos discordar da natureza pro labore faciendo parcialmente imputada às gratificações de desempenho, na medida em que, por expressa definição legal, o servidor tem assegurado um patamar mínimo de pontuação na aposentadoria, sem que, para tal, concorra, por razões óbvias, a exigência de qualquer condição vinculada à atividade: para o alcance dessa parcela – fixada em 50% – não se exige a contrapartida do exercício de qualquer “atividade”, sendo irrazoável e ilógico que os outros 50% da vantagem sejam sonegados como parte integrante dos proventos, justamente porque, quando na ativa, no concreto exercício da prestação do serviço inerente ao cargo, o servidor realizou contrapartida contributiva de ordem previdenciária capaz de justificar o seu pagamento integral na aposentadoria. Não se pode dizer, pelo conceito clássico, que, cessado o trabalho que deu causa ao pagamento da vantagem, daí decorreria a justificativa para a sua supressão justamente no momento da aposentadoria. Não ! Ainda mais quando essa supressão, em termos percentuais, se dá, por expressa previsão legal, apenas de forma parcial. Nesse caso, a tal natureza pro labore faciendo, se válida fosse realmente para justificar o fator de discrímen identificado pelo Pretório Excelso, só poderia ser invocada com certa medida de razoabilidade relativamente aos servidores que se aposentaram anteriormente à instituição das próprias gratificações de desempenho – sem tê-las recebido no exercício do cargo – e que, por força da lei que as criou, tiveram assegurado um patamar mínimo de pontuação na constituição dos proventos, como vantagem superveniente à própria inativação e decorrente de mera adequação a uma nova estrutura remuneratória.

Esse raciocínio converge com o aspecto contributivo: o servidor que, já sob o regime de pagamento das gratificações de desempenho, verteu, na ativa, contribuições previdenciárias ao Regime Próprio (RPPS), sobre a totalidade de sua remuneração, vindo a se aposentar sob a garantia da integralidade prevista no art. 3º da EC nº 47/2005, não pode ter tolhido o direito à percepção da vantagem no percentual constante da última remuneração percebida na ativa, pois, em sendo verdadeira a parcial natureza pro labore faciendo, seria irrazoável que assim se a considerasse apenas para fins previdenciários. Prova de que, em realidade, não é o exercício da atividade que baliza parte do pagamento da vantagem nos proventos de aposentadoria e sim mera convenção – inconstitucional, diga-se – do legislador ordinário.  

É de se notar, nesse passo, que, para ter acesso à aposentadoria na forma do art. 3º da EC nº 47/2005, os servidores tiveram que implementar um tempo de serviço público superior ao exigido no art. 6º da EC 41/2003, tendo por isso realizado maior número de contribuições ao regime de previdência (RPPS). Além disso, o servidor veio a contribuir, enquanto ativo, com uma contribuição previdenciária que incidiu sobre o valor total recebido a título de gratificação, o que deveria se traduzir, observada a integralidade, em idêntico benefício, como forma de preservar o caráter sinalagmático da relação previdenciária: se a incidência da contribuição previdenciária sobre o valor total da gratificação não se reflete na aposentadoria, não há causa suficiente para essa tributação. Como ensina o Prof. Geraldo Ataliba, no caso da contribuição previdenciária, a base imponível “haverá de refletir o que exatamente é a peculiaridade da contribuição: ou seja, deverá guardar relação direta com o benefício especial, ou com a despesa especial causada pelo sujeito passivo (conforme o caso).

Por essa razão, a integralidade prevista no art. 3º da EC nº 47/2005 há que ensejar proventos de aposentadoria correspondentes à totalidade da remuneração, independentemente da denominação ou natureza das parcelas vencimentais que a compõem, justamente porque, na sua gênese, não poderia o legislador constituinte deixar de observar o princípio insculpido no art. 195, § 5º, da Constituição, a ponto de permitir contribuição sem benefício ou mesmo benefício sem contribuição. A propalada natureza pro labore faciendo, portanto, não serve de óbice ao implemento da integralidade. E afora a exigência de requisitos diferenciados para a aposentadoria, o que se há de perquirir, na aplicação da regra prevista no art. 3º da EC nº 47/2005, é se esse dispositivo – comparativamente aos demais dispositivos que também regram a concessão de aposentadorias no serviço público – deixou ou não espaço para posterior regulamentação que viesse a restringir o conceito de proventos integrais. E a resposta é negativa. A própria Administração reconheceu esse efeito, ao editar, por intermédio da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento – SRH/MPOG, a NOTA TÉCNICA Nº 45/2009/DENOP/SRH/MP, de 25-08-2009, por meio da qual reconheceu o direito de servidor inativo da Controladoria-Geral da União - CGU à incorporação da Gratificação de Atividade do Ciclo de Gestão – GCG no percentual constante da última remuneração percebida pelo servidor na atividade, justamente por considerar, sem rodeios, que “... a Emenda Constitucional nº 47, de 2005, em seu art. 3º, não previu a necessidade de regulamentação da forma de cálculo dos proventos de aposentadoria, pois definiu uma regra específica para o referido cálculo, os proventos serão de forma integral, ou seja, será utilizada como base de cálculo a última remuneração percebida pelo servidor.” Mas, ao editar a NOTA TÉCNICA Nº 399/2010/COGES/DENOP/SRH/MP, de 19-04-2010, a Administração mudou sua orientação, optando pela aplicação do critério legal – de pagamento reduzido para os inativos –, mesmo admitindo que esse dispositivo constitucional prescinde de regulamentação para que se possa alcançar proventos integrais. 

É de se indagar, nesse contexto, diante da inexigibilidade de regulamentação do art. 3º da EC 47/2005, se caberia essa margem de discricionariedade na interpretação por parte do Administrador, a ponto de se afirmar que a lei de regência da gratificação – que limita o valor devido ao inativo ao patamar de 50% – deve ser aplicada em detrimento do normativo constitucional, hierarquicamente superior ? Não seria a lei de regência da vantagem que deveria se adequar ao normativo constitucional ?

Da resposta a tais indagações exsurge cristalina a inconstitucionalidade dos dispositivos que impõem a redução do pagamento das gratificações na aposentadoria dos servidores contemplados com a regra do art. 3º da EC nº 41/2003. Outra não é a conclusão que se extrai de julgado oriundo do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que consagra exatamente a prevalência da integralidade, na exata equivalência da totalidade da remuneração do cargo efetivo, em detrimento do comando legal que restringia o pagamento da vantagem aos inativos no patamar de 50 (cinquenta) pontos:

 

EMENTA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DO SEGURO SOCIAL - GDASS. APOSENTADORIA. EC Nº 47/2005. MANUTENÇÃO. POSSIBILIDADE. INTEGRALIDADE.

1. A Emenda Constitucional nº 47/2005 garantiu proventos equivalentes ao último vencimento que recebeu em atividade o servidor que cumpriu todos os requisitos exigidos, inclusive quanto às gratificações de desempenho.

2. Dispondo a Emenda quanto à obrigatoriedade de se fixar a base de cálculo do provento de forma equivalente à remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, fazem jus os servidores à paridade e à integralidade remuneratória, o que permite concluir no sentido de se adotar como único parâmetro o valor recebido pelo servidor no último mês trabalhado.

3. Apelação provida.”

(TRF4, AC 5008417-55.2013.404.7208/SC, 3ª Turma, Rel. Des. Fernando Quadros da Silva, julg. em 20-05-2015) 

 

No entendimento do douto Des. Federal Fernando Quadros da Silva, portanto, “... a integralidade da base de cálculo permite concluir no sentido de ser adotar como único parâmetro o valor recebido pelo servidor no último mês trabalhado. Essa é a interpretação mais consentânea com a integralidade prevista no art. 3º da EC nº 47/2005, ainda que não se obtenha, de forma expressa, a declaração de inconstitucionalidade da legislação ordinária que rege o pagamento das gratificações de desempenho: basta que se empreste uma interpretação conforme à Constituição, na lapidar lição de J. Gomes Canotilho, para o qual: 

 

“Uma das regras essenciais da interpretação das normas infraconstitucionais é a interpretação conforme à Constituição. No campo dos direitos fundamentais tal regra quer dizer interpretação mais favorável aos direitos fundamentais. Significa isto que, em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior proteção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau.”

 

Em sede de conclusão, é possível afirmar que, aos aposentados com fundamento no art. 3º da EC nº 47/2005, assiste o direito à integralidade plena, sem quaisquer restrições, inclusive no que pertine ao pagamento das chamadas gratificações de desempenho, na medida em que a técnica adotada pelo legislador constituinte derivado não deixa margem de dúvidas de que a base de cálculo dos proventos, nesse caso, é a totalidade da remuneração percebida na ativa, sem que seja possível posterior redução por via legal: essa modalidade de aposentadoria, diferentemente da prevista nos arts. 8º da EC nº 20/1998, 2º e 6º da EC nº 41/2003, e ainda no art. 40 da Constituição, na redação da própria EC nº 41/2003, foi concebida de modo a prescindir da edição de norma regulamentadora, sendo, portanto, autoaplicável. Além disso, não se pode olvidar, nessa hipótese, que a íntegra da remuneração do servidor ativo, observado o caráter contributivo inaugurado pela Emenda Constitucional nº 20/1998, foi objeto de desconto previdenciário, devendo, assim, integrar a base da constituição de seus proventos.

 

Este artigo foi publicado na Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região.

Glênio Ohlweiler Ferreira e Marcelo Lipert são advogados na área de Direito Público, tratando de questões de interesse de servidores públicos e de suas entidades representativas.