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Reforma da Previdência Bolsonaro-Guedes contribui para recessão, aponta pesquisador

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A reforma da Previdência do governo Bolsonaro irá desestabilizar ainda mais o quadro econômico brasileiro, não irá solucionar o alto nível de desemprego e menos ainda corrigir as distorções do regime previdenciário – pelo contrário, pesará sobre os mais pobres.

O alerta é do pesquisador José Dari Krein. Em entrevista à TV GGN, o professor, doutor e mestre em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp explica que a economia estimada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, de R$ 1,23 trilhão em dez anos, caso a reforma da Previdência seja aprovada no Congresso, não é verdadeira – o próprio governo admitiu, recentemente, pelo secretário de Previdência, Leonardo Rolim, durante uma Comissão Especial, que somente o custo de transição do regime de aposentadoria para o chamado regime de de capitalização deve custar aos cofres públicos R$ 985 bilhões em 20 anos.

Krein adverte ainda que 84% dos R$ 1,23 trilhão em economia para a União, segundo a equipe de Paulo Guedes, serão resultado de cortes sobre aqueles que ganham até dois salários mínimos.

Clique aqui para assistir à primeira parte da entrevista acompanhada da transcrição dos principais trechos.

Os efeitos negativos para a economia

 De um lado, a reforma da Previdência tende a diminuir o rendimento dos aposentados e a dificultar que as pessoas tenham acesso a esse benefício. Esses dois elementos tendem a ter um efeito negativo sobre a demanda [compra de produtos e de serviços, portanto sobre o mercado em geral]. Isso porque a reforma atinge as pessoas mais pobres, que ganham em média 1.300 reais do regime geral previdenciário. É um perfil populacional que gasta tudo que recebe. Logo, reduzir o rendimento desse grupo é reduzir o dinheiro que rega o mercado local.

Geralmente é a pessoa aposentada que garante a renda mínima para a família estendida poder sobreviver em momentos de crise econômica. Quem socorre o filho, neto, cunhado, cunhada, sobrinho é o aposentado.

Ou seja, a Previdência Social tem uma função distributiva e tem uma função de amortecer os problemas sociais no momento de crise econômica que estamos vivendo.

Assim, a retirada de dinheiro tende a ter não somente um efeito regressivo do ponto de vista de produção de renda, como tende a ter menos dinheiro circulando, menos gente podendo comprar as coisas. E menos gente comprando as coisas afeta negativamente também a riqueza gerada. Portanto, a reforma da Previdência não é a solução para os problemas econômicos que o Brasil está enfrentando e não é essa panacéia que o governo vende.

Hoje mesmo (4 de junho) Guedes sinaliza que a reforma da Previdência é insuficiente para aquecer a economia e que vai adotar outras medidas, mas o discurso todo do governo tem sido de que, sem a reforma, nada se encaminha, o que não tem nenhuma fundamentação econômica, porque retomar a economia depende de um conjunto de variáveis, principalmente, do investimento.

A dinâmica da economia brasileira depende muito do mercado interno e toda essa reforma está reduzindo o gasto público e reduzindo a possibilidade de as pessoas consumirem os produtos, pela diminuição da renda. Portanto, ela não tem nenhum efeito no sentido da solução dos efeito [negativos] colocados na recessão econômico. Ela terá ainda outro efeito mais complicado: esse 1,2 trilhão de reais será suficiente para fazer a transição para o novo sistema?

O governo fez um chute ao chegar nesse número. Todos os países que adotaram o regime de capitalização, subestimaram o custo da transição. No Chile, modelo mais antigo, que é inspiração de Guedes, o custo de transição hoje está 4,6% do PIB. Ou seja, esse recurso é totalmente insuficiente para fazer a transição.

Reforma não garantirá geração de emprego, pelo contrário

Nós estamos em um período em que o mercado de trabalho apresenta resultados muito ruins. Estamos há quatro anos com número médio de 13 milhões de desempregados abertos, ou seja, aqueles que estão procurando trabalho.

Além disso, temos mais 5 milhões de pessoas que estão desalentadas, ou seja, que querem trabalhar mas não estão procurando emprego nos últimos 30 dias. Temos ainda entre 4 e 5 milhões de pessoas que estão na condição de subocupadas – trabalham em média 19 horas [por semana] e ganham rendimento mensal de 700 reais. Além disso, temos pessoas que conseguem trabalhar, mas não tem condições [são as últimas a serem chamadas pelo mercado, como jovens, idosos e ou baixa capacitação profissional]. Contabilizando tudo isso, temos uma taxa de subutilização, conforme números mais recente de abril de 2019 [IBGE], de quase 29 milhões de pessoas que não estão trabalhando, ou que estão trabalhando muito menos do que gostariam.

Nesse momento de crise muito intensa no mercado de trabalho, a Previdência Social é um colchão amortecedor dos problemas associados ao mercado de trabalho muito fraco. [Logo, retirar dinheiro dos aposentados, e consequentemente de suas famílias, é também reduzir o dinheiro que circula no mercado interno. Sem poder escoar produtos e serviços, os setores que empregam tendem a não investir na abertura de novas vagas de trabalho].

Reforma aumentará população “inaposentável”

A média de contribuição hoje é 18 para mulheres e 21 anos para homens. E o governo Bolsonaro quer elevar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos. Mas, para receber na aposentadoria o valor do seu último rendimento, precisará contribuir 40 anos.

Essa elevação do tempo de contribuição já é um fator de exclusão de muita gente na perspectiva de se aposentar. Hoje, pelas regras atuais, você tem 15% das pessoas, em termos de Brasil, com mais 60 anos fora do sistema previdenciário, sem esse direito, porque não conseguiram preencher os requisitos necessários para entrar no INSS. Em São Paulo, estado mais industrializado do país, essa faixa é de 20% de pessoas com mais de 60 anos sem direito previdenciário.

Por isso, que estou dizendo que as regras penalizam os mais pobres, geralmente o contingente mais expressivo de pessoas que não consegue preencher os critérios para se aposentar.

Hoje as mulheres mais pobres se aposentam em média aos 62 anos, porque elas não conseguem comprovar, aos 60 anos, os 15 anos de contribuição que o INSS exige. Se for elevado de 15 para 20 anos o tempo de contribuição [como propõe a reforma] um contingente grande de pessoas será excluído do sistema, especialmente porque nós temos um mercado de trabalho hoje onde prevalece a informalidade ou até a ilegalidade

Ao elevar esse tempo de contribuição, o governo tornará uma parcela importante dos brasileiros, especialmente as brasileiras, inaposentáveis, para usar uma palavra que começa a circular no nosso meio. Ou seja, você vai economizar tirando o direito da aposentadoria de muita gente.

Temos hoje 44% dos ocupados que não têm registro formal na sua ocupação, ou seja, são pessoas que não têm carteira de trabalho assinada do setor público, privado, domésticas, são os autônomos sem CNPJ e os empreendedores sem registro da empresa. Além disso, você tem setores do mercado de trabalho que são de altíssima rotatividade. Portanto, é cada vez mais difícil as pessoas conseguirem comprovar tempo de contribuição.

A origem de boa parte da economia de R$ 1,2 trilhão

O governo quer mudar a base de cálculo do benefício. Hoje, atualmente, a pessoa tem direito à aposentadoria depois de 15 anos de contribuição, por idade, ou por tempo de contribuição – 30 anos mulheres e 35 anos homens. O cálculo é feito considerando 80% das melhores contribuições, ou seja, 20% das piores contribuições são excluídas do cálculo.

Na nova proposta, serão considerados no cálculo 100% dos rendimentos passados, uma média de tudo – acrecentando que a pessoa precisará contribuir, pelo menos, 40 anos para ter uma remuneração igual a que estava recebendo quando na ativa.

Uma outra economia muito substantiva do governo é mexendo no abono salarial. Hoje, o trabalhador tem direito a receber um 14º salário mínimo, isso se tiver recebido menos de 2 salários mínimos mensais no ano anterior. Hoje, pelas regras atuais, 22 milhões de pessoas têm esse direito.

A proposta do governo é reduzir esse direito para quem ganha até um salário mínimo. Com isso, apenas 2,6 milhões de pessoas passarão a ter direito ao abono salarial e 20 milhões, praticamente, estarão de fora.

Podemos prever, então, que todos os trabalhadores em situação legal de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ou seja, dos estados que pagam um salário mínimo um pouco acima do salário mínimo nacional, serão automaticamente excluídos do direito ao abono salarial.

 

Fonte: GGN
Texto: Lilian Milena
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Data original da publicação: 06/06/2019