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Paralisação no HPS expõe atrasos salariais constantes em terceirizadas na Capital

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Sem receber o salário de dezembro, trabalhadores dos setores de higienização, nutrição e lavanderia do Hospital de Pronto Socorro (HPS) iniciaram uma paralisação no último domingo (13). Sem o serviço, o hospital enfrentou na segunda e na terça-feira uma situação de lixeiras lotadas, falta de itens básicos como papel toalha, leitos inativados, entre outros problemas. Os trabalhadores retornaram ao trabalho no início da tarde de terça-feira, com a promessa de pagamento pela empresa terceirizada contratada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

A situação, no entanto, não é novidade para os trabalhadores de terceirizadas da Capital. A falta de atrasos também atinge o pessoal que trabalha na limpeza e na cozinha de escolas municipais nesse início de ano. Pelo mesmo motivo, uma greve foi deflagrada no início de 2018. Oficialmente, a Prefeitura diz honrar todos os compromissos e repasses para as terceirizadas. Por que então os problemas são recorrentes?

Maria Inês Biscardi trabalha no plantão noturno do HPS há um ano e sete meses. Ela foi contratada originalmente pela Prismaserv Soluções Empresariais, que firmou contrato com a SMS em 9 de junho de 2017, com prazo de 12 meses e ao custo de R$ 6,2 milhões, segundo informações que constam no Portal da Transparência da Prefeitura. Maria conta que os atrasos salariais começaram em fevereiro de 2018. No entanto, em junho de 2018, o contrato com a empresa por mais doze meses, no valor de R$ 7,463 milhões – além do reajuste pela inflação, o aditivo previa mais postos de trabalho.

No entanto, os atrasos continuaram e a situação ficou insustentável quando a empresa não pagou os salários de outubro. “Quando chegou novembro, próximo ao dia do pagamento, eles foram embora e não deram explicação nenhuma”, diz. Mesmo sem receber, os trabalhadores continuaram atuando como funcionários da Prismaserv até o dia 20, quando a Prefeitura rompeu o contrato por problemas na prestação de contas da empresa. A pasta diz que cumpriu todas as obrigações de contrato e de repasses com a Prismaserv.

Os trabalhadores foram então recontratados pela Lidersul Serviços Terceirizados, que assumiu a gestão dos serviços a partir de 22 de novembro. O contrato em caráter emergencial por um período de seis meses entre a Lidersul e a SMS foi publicado no dia 19 de dezembro no Portal da Transparência, onde ainda consta como vigente o caráter com a Prismaserv. Pelo contrato, a Lidersul irá receber R$ 7.573 milhões pela prestação de serviços de auxiliar de limpeza e higienização, auxiliar de lavanderia, copeiro, costureiro, supervisão e fornecimento de materiais e equipamentos para Hospitais de Pronto Atendimento, Unidades de Saúde e as demais unidades administrativas da SMS, somando um total de 227 postos de trabalho.

Com a troca de empresas, os trabalhadores do HPS e de postos de saúde da Capital receberam, no início de dezembro, apenas o pagamento referente a oito dias trabalhados no mês de novembro. Eles, no entanto, seguiam sem receber o salário de outro e o restante dos dias trabalhados em novembro. Como foram demitidos pela Prismaserv e recontratados pela Lidersul, também precisavam receber a indenização pela falta de aviso prévio e valores proporcionais de 13º salário e férias.

No entanto, Maria Inês diz que a Prismaserv efetuou, no dia 21 de dezembro, apenas um pagamento dos valores atrasados praticamente de forma linear para todos os seus ex-funcionários, variando entre R$ 2,6 mil e R$ 3 mil, com o valor maior para quem tinha mais de um ano na função. Ela calcula que em alguns casos, como o dela, esse valor é inferior a um terço do que deveria receber pela rescisão do contrato. “Disseram que o restante a gente teria que esperar para receber pelo sindicato”, diz, o que, na prática, representa via judicial.

Problemas também na educação

A situação de atrasos de pagamentos a trabalhadores terceirizados não ocorre apenas na Secretaria da Saúde, é um problema antigo também para quem presta serviços nas áreas de limpeza e cozinha em 99 creches e escolas municipais. Marli Rejane da Silva Cruz trabalha há quatro anos na Multiclean Locação de Mão de Obra, desde que a empresa passou a prestar serviços para a Secretaria Municipal de Educação (Smed), em janeiro de 2015. “Atraso é uma coisa normal na Multiclean”, diz. Segundo ela, a empresa paga os salários em dia em alguns meses, mas atrasos são recorrentes. “Teve um mês que recebemos quase no dia 20. Atrasou o décimo terceiro também. Eles pagam quando querem e não são multados”, reclama Marli, que atua na EMEI Dom Luiz de Nadal, no bairro Restinga .

Em férias no mês de janeiro, ela recebeu os salários de dezembro apenas na tarde desta terça, mas a Multiclean não efetuou o pagamento do valor referente às suas férias. “Eles vão pagar as minhas férias só quando eu voltar”, diz. A legislação trabalhista determina, no entanto, que os valores referente as férias sejam pagos ao trabalhador antes do início de seu período de descanso.

A situação de atrasos salariais levou parte dos trabalhadores da Multiclean a decretarem greve em fevereiro do ano passado, quando estavam sem receber desde dezembro de 2017. Na ocasião, foi usado como justificativa para os atrasos a renovação do contrato entre Prefeitura e terceirizada, que havia vencido em 15 de dezembro de 2017.

Conforme o Portal da Transparência, o primeiro contrato entre a Smed e a Multiclean foi firmado em 6 de janeiro de 2015, para a prestação de serviços gerais, auxiliar de cozinha e cozinheiro nas escolas entre janeiro e março de 2015. O contato foi renovado em abril daquele ano pelo prazo de um mês, sendo renovado mais duas vezes até o final 2015. Em dezembro daquele ano, foi firmado um contrato permanente pelo período de 12 meses, no valor de R$ 32,684 milhões, tendo sido renovado ao final de 2016 e de 2017, este último pelo valor de R$ 37.056 milhões, com vencimento em 15 de dezembro de 2018. Mesmo com as reclamações de atrasos salariais pelos trabalhadores, a informação é de que o contrato foi renovado ao final de 2018, mas este ainda não consta no Portal da Transparência.

A vereadora Sofia Cavedon (PT), que a partir de fevereiro assume uma cadeira na Assembleia Legislativa, acompanha a situação dos contratos terceirizados, especialmente na área de educação, e avalia como inaceitável a recorrência dos atrasos salariais. “Isso é um escândalo. Nós já fizemos, em vários momentos, denúncias ao MPT. A Smed foi chamada no início do ano passado a dar explicações em funções dos transtornos”, diz

Para além dos atrasos salariais, Marli Rejane diz que faltam condições de trabalho adequadas, uma vez que a empresa não fornece todo o equipamento exigido dos trabalhadores. “A gente briga para ter uniforme. Tem avental porque a gente compra, tem touca porque a gente compra”, diz.

A Smed diz que a Prefeitura já abriu duas licitações para a contratação de serviços de cozinheiro, auxiliar de cozinha e serviços gerais para as escolas da rede municipal, mas ambas estão sendo contestadas judicialmente, o que motivou a renovação do contrato com a Multiclean. “Se não renovasse com a Multiclean, a Smed precisaria realizar uma contratação emergencial, na qual a mesma empresa teria prioridade e possivelmente com valor acima do atual. A empresa apresenta as certidões e documentos necessários para a renovação – não havendo, portanto, argumento jurídico para a não continuidade. A negociação com a empresa foi feita de modo a garantir o interesse público com a manutenção sustentável do serviço”, diz nota da Smed encaminhada à reportagem.

Servidores apontam que ausência dos trabalhadores da higienização e rouparia inviabilizou o trabalho em setores do hospital

Nova empresa, mesmo atraso

A troca de empresas terceirizas na Saúde não solucionou o problema dos atrasos nos pagamentos. Apesar de ter pago em dia o proporcional aos dias trabalhados em novembro, a Lidersul, segundo Maria, não pagou o valor referente ao proporcional do 13º salário no fim do ano e, quando conversamos com ela no início da tarde desta terça, não havia pago o salário de dezembro. Na sexta-feira (11), a empresa pagou apenas uma parcela de R$ 100 aos trabalhadores, o que motivou a paralisação a partir do domingo. “Mudando a empresa, a gente achou que no quinto dia útil ia receber, mas a situação continua a mesma”, afirma.

Presidente da Associação de Servidores do HPS, Paulo Ricardo Oliveira, afirma que a paralisação afetou os serviços prestados pelo hospital. Ele aponta que as lixeiras do hospital ficaram cheias, não houve retirada de roupas sujas. “A situação é muito grave, tendo em vista que não se podem fazer procedimentos em ambiente sem higienização, não pode receber em leitos de UTI, no bloco cirúrgico, sem que haja o mínimo de higiene”, diz, citando como exemplo de serviço afetado a redução do atendimento de traumas na ortopedia pediátrica do HPS durante a paralisação. “A gente fica preocupado porque põe em risco tanto a população quanto o próprio trabalhador”.

No início da tarde desta terça, o vereador Roberto Robaina (PSOL) fez uma postagem nas redes sociais denunciando os problemas causados pelo atraso nos pagamentos.

A SMS reconhece que houve redução da capacidade de atendimento no período, mas diz que não recebeu nenhuma reclamação de paciente que não tenha sido atendido no Pronto Socorro desde segunda-feira.

A greve foi interrompida no início tarde desta terça, com a promessa de que a Lidersul iria colocar em dia os salários de dezembro até às 16h. Outra funcionária da Lidersul ouvida pela reportagem, que atua num posto de saúde da Capital, diz que não recebeu seu salário de dezembro e que, nesta tarde, o supervisor da empresa prometeu que os salários seriam pagos até amanhã.

A pasta informa que a Lidersul entregou parte da documentação necessária para começar a receber repasses da Prefeitura apenas na manhã da última sexta-feira (11), às 11h, e por isso os primeiros pagamentos à terceirizada estão sendo feitos só no início dessa semana. No entanto, a legislação que rege contratações por órgãos públicos determina que há um prazo de até 90 dias para iniciar o pagamento a prestadoras de serviços, portanto seria responsabilidade da empresa ter fluxo de caixa para honrar os compromissos nos primeiros meses.

A Secretaria da Fazenda também informou que faz a verificação das notas fiscais e guias de recolhimento de questões trabalhistas apresentadas pelas empresas terceirizadas contratadas. No entanto, reconhece que não tem como verificar se elas usam os valores para outra destinação.

Marli Rejane, no entanto, diz que a empresa tem um histórico de não pagamento de obrigações trabalhistas. “Tenho colegas que foram demitidos e eles não pagaram o fundo. É um horror”, diz.

A reportagem tentou entrar em contato com as empresas citadas na matéria, mas não obteve retorno da Multiclean e da Prismaserv. A Lidersul disse que quem responde pela situação é a Prefeitura.

Fonte: Sul21
Texto: Luís Eduardo Gomes
Fotos: Divulgação