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Evento discute 30 anos da Constituição Federal na Escola Judicial

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Ocorreu na sexta-feira (5/10), no Auditório Ruy Cirne Lima, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), Seminário Comemorativo aos 30 anos da Constituição Federal de 1988. Organizado pela Escola Judicial (EJud4), o evento contou, no turno da manhã, com a procuradora aposentada do Estado do Paraná Aldacy Rachid Coutinho, doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Paraná. Já no turno da tarde, manifestaram-se o professor e advogado Carlos Eduardo Dieder Reverbel e o desembargador aposentado do TRT de Minas Gerais Márcio Túlio Viana.

A professora Aldacy trouxe reflexões decorrentes de uma pesquisa longa realizada sobre o tema: Efetividade (ou não) do controle de constitucionalidade no decorrer dos 30 anos da Constituição Federal de 1988 e/ou dificuldades de um controle eficaz diante das alterações havidas. Seu estudo resgatou votos do Supremo Tribunal Federal (STF) ligados a temas de Direito do Trabalho, buscando, em suas próprias palavras, as “razões de decidir” que pautaram o perfil de atuação da magistratura, bem como a “lógica de Estado” subjacente.

Na análise da pesquisadora, houve o deslocamento da racionalidade que pautava as decisões no STF até 2011. De uma lógica de “legalidade”, pautada na defesa de princípios constitucionais e conquistas sociais, transitou-se para uma racionalidade de “eficiência”, em que necessidades diversas se sobrepuseram à defesa de conquistas sociais. Essa mudança abriu margem para um maior ativismo judicial e para a desconstrução da hermenêutica constitucional tradicional, que passou a ser pautada por argumentos de autoridade e pela tentativa de equilibrar interesses diversos, de uma ordem “neoconstitucionalista”. “As pessoas não dominam as palavras. Na verdade, as palavras dominam o sujeito”, reflete Aldacy.

A mudança na lógica interpretativa da Constituição teria pautado o surgimento do que ela denomina como um “Estado retirante”, que admitiu o retrocesso de Direitos Sociais. Para demonstrar sua tese, ela trouxe grande quantidade de citações extraídas de votos do Supremo nos últimos 20 anos. “É uma nova postura de Estado, não porque temos uma nova Constituição, mas porque temos uma nova racionalidade trazida pelo Judiciário, antes mesmo que esse movimento chegasse ao Congresso Nacional”, denuncia, atenta para a fragilização dos Direitos Trabalhistas no Brasil.

Aspectos políticos do texto constitucional

A programação da tarde do seminário foi aberta com a palestra do professor Carlos Eduardo Dieder Reverbel. Sua fala teve início com uma análise dos regimes democráticos e autoritários no mundo, para depois se deter sobre a criação da Constituição Federal no Brasil em 1988, abordando suas características e, ao final, defender a importância de uma reforma política e apresentar propostas que considera importantes nesse sentido.

Ao abordar a criação da Constituição Federal em 1988, Reverbel destacou como um problema o tamanho do seu texto. “A Constituição tinha uma certa inspiração de ser ampla, aberta, irrestrita, inclusiva, geradora de direitos, liberdades e garantias. Ela foi reflexo da deposição de um regime autoritário e da abertura política. É a terceira Constituição mais extensa do mundo”, comentou. Na sua opinião, a extensão do texto constitucional explica vários problemas, como o fato de haver tantos processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  “A Constituição traz princípios, normas abertas, pendentes de complementação, que vão gerar diversas ações. Uma constituição extensa, aberta e irrestrita faz com que a matéria constitucional seja bastante discutida”. Ao comparar com as estatísticas de outros países, Reverbel citou que a Alemanha, entre 1951 e 2003, julgou 146,9 mil ações no Tribunal Constitucional, enquanto o Brasil, apenas em 2017, julgou 123 mil. “Estamos acostumados a analisar a Constituição pelo seu aspecto jurídico, e não a partir de seus aspectos políticos. Boa parte das causas que chegam ao Judiciário vêm das falhas na organização legislativa e partidária, do sistema eleitoral, do governo, da forma de Estado, do regime, entre outras questões”, avaliou. 

A segunda parte da exposição foi dedicada a uma análise da estrutura política brasileira e de problemas que Reverbel compreende como “disfuncionalidades”. O palestrante alertou que o Brasil tem 513 deputados, mas somente 27 circunscrições eleitorais, e constatou que a dimensão exagerada desses distritos resulta em custos elevados para as campanhas. Conforme o palestrante, os gastos declarados pelos candidatos eleitos no Brasil chegam, em média, a R$ 8,2 milhões. “Isso mostra o quanto o dinheiro influencia. Não está só aí, mas essa é uma grande base da corrupção. O candidato precisa de muito dinheiro para se eleger”, avaliou. Fazendo novas comparações com outros locais do mundo, Reverbel informou que o Reino Unido possui 650 deputados e 650 circunscrições eleitorais, o que implica em custos reduzidos nas campanhas, porque os candidatos não gastam em deslocamentos. 

O número elevado de partidos políticos no Brasil também foi apontado como um grande problema: são 35 partidos, dos quais 26 têm representação no Congresso Nacional. Isso dificulta a formação de maioria para aprovação de projetos. Outro aspecto apontado como disfuncional foi a repartição territorial brasileira, que possui estados e municípios muito amplos. A crítica do palestrante também se deteve sobre a divisão dos recursos tributários entre os entes federativos, avaliando que a lógica atual é atribuir muitos recursos à União e pouco aos Estados e Municípios, quando na verdade deveria ser o contrário. Um quarto problema listado foi a acumulação das funções de chefe de Estado, de governo e da administração na figura do Presidente da República. Reverbel defendeu que essas funções deveriam estar separadas, porque são distintas: a administração precisa ser técnica e burocrática, o governo é partidário e temporário, e a chefia de Estado deve ser apartidária e comprometida com os interesses nacionais. 

Ao final de sua palestra, Reverbel listou algumas alterações que julga importantes em uma eventual reforma política. Entre elas: a separação entre Estado, governo e administração; a adoção do parlamentarismo; o voto distrital, puro ou misto, com cláusula de barreira; a reforma da Federação, pensando-se em uma melhor repartição do bolo tributário; a criação de uma corte constitucional genuína, que se atenha ao julgamento de casos que realmente estejam relacionadas a questões constitucionais; e uma reforma administrativa. No encerramento de sua fala, Reverbel refutou a ideia da criação de uma nova Constituição a partir do zero. “Eu tenho medo do poder constituinte originário, porque não sei o que viria de lá. O melhor é reformar a Constituição, preocupando-se em conservar o que ela tem de bom”, concluiu. 

Justiça e Direito do Trabalho

Em sua explanação, o desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais), Márcio Túlio Viana, apresentou reflexões sobre a relação dos juízes com o Direito, a Justiça e a Constituição. Segundo o também professor de Direito, o perfil clássico de quem fazia concurso para juiz do Trabalho sempre foi o de uma pessoa sensível e que tinha como ideal combater a injustiça social. A realidade atual, no entanto, na avaliação do palestrante, demonstra que muitas pessoas prestam esse concurso por ser apenas um bom concurso, capaz de fornecer segurança financeira e profissional. "Não digo que isso ocorre com todas as pessoas, mas é uma tendência. E isso pode estar afetando as nossas sentenças", destacou.

Do ponto de vista de Viana, os chamados Direitos de Primeira Geração estão se sobrepondo aos Direitos de Segunda Geração, e o Direito do Trabalho está sendo afetado por isso. Como exemplos, o professor fez referência à liberdade de negociação, expandida com a atual Reforma Trabalhista. Seria um Direito de Primeira Geração, mas em detrimento de um Direito de Segunda Geração que seria o combate à injustiça social. "Os direitos enfatizados hoje são os de primeira geração, porque não afetam o mercado, não mexem na distribuição de renda. E os direitos trabalhistas mais clássicos, que mexem com custos, com distribuição de renda, estão se enfraquecendo", analisou, ressaltando que a essência do Direito do Trabalho é justamente igualar juridicamente partes que são desiguais no aspecto econômico.

Quanto à Reforma Trabalhista, o desembargador considera que o legislador agiu como se age em uma fraude. "Sabendo que os sindicatos estão fracos, o legislador permitiu que eles negociem mais; sabendo que ao trabalhador não é permitido recusar nada, ele também permitiu que negocie mais; sabendo que o patrão sonega direitos, ele restringe o acesso à Justiça", exemplificou, ao avaliar que a fraude faz parte da vida humana e até mesmo da vida dos bichos. "Mas quando existe fraude desse tipo, entra o juiz", afirmou.

Nesse contexto, segundo o professor, é necessário revalorizar o Direito do Trabalho, que tem como diferencial o fato de ter sido construído com mãos operárias. "Esse é um diferencial e também pode ser um ponto fraco, porque quando as mãos operárias são desvalorizadas, o Direito do Trabalho também retrocede. Precisamos reencontrar essa valorização", asseverou. "O Direito do Trabalho nos faz acreditar que estamos contribuindo para a diminuição da injustiça social, e isso é um diferencial capaz de nos dar mais qualidade de vida", concluiu.

Fonte e foto: Secom/TRT-RS