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Da portaria 595 do MTE - Vícios de formação e considerações

Por: Marí Rosa Agazzi

Conforme já é de amplo conhecimento, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) editou recentemente a Portaria n.o 595, de 07/05/2015, que incluiu o que denominou “nota explicativa” no final do Quadro Anexo da Portaria n.o 518, para esclarecer que não são consideradas perigosas as atividades desenvolvidas em áreas que utilizam equipamentos móveis de raios-X para diagnóstico médico, como, por exemplo, emergências, centros de tratamento intensivo, sala de recuperação e leitos de internação. 

Ocorre que a Portaria n.o 595 não atendeu requisitos mínimos para a sua edição, sendo, portanto, ato nulo, de modo que não se lhe pode conferir validade e/ou eficácia. Além do não cumprimento dos procedimentos formais estabelecidos pela Portaria n.o 1.127 do MTE1 para elaboração de normas regulamentadoras relacionadas à saúde, segurança e condições gerais do trabalho, não está amparada em qualquer estudo científico e técnico de especialistas, não abordando aspectos concernentes aos níveis de tolerância da radiação proveniente de aparelho de raio-X móvel ou mesmo explicação científica em relação à ausência de risco para os profissionais que trabalham no mesmo ambiente da realização de exame radiológico com a utilização de equipamento de raio-X móvel. 

Há de se considerar, ainda, que a Portaria n.o 595 restringe direitos trabalhistas, foi editada após a vigência do contrato de trabalho e, por conseguinte, não pode atingi-lo, sob pena de afronta ao disposto no art. 7o, XXII e XXIII, da CF, no art. 194 e no art. 468, ambos da CLT, e, analogicamente, ao entendimento vertido na Súmula n.o 51 do TST, e, outrossim, sequer pode limitar as parcelas vincendas, sob pena de violação à irredutibilidade salarial, consagrada no art. 7o, VI, da CF. 

DOS VÍCIOS DE FORMAÇÃO DA PORTARIA N.o 595 DO MTE – DA INVALIDADE E/OU DA INEFICÁCIA 

A edição da Portaria n.o 595 do MTE não foi objeto do necessário debate técnico e científico nas respectivas comissão e grupo responsáveis no MTE e, inclusive, com a sociedade civil, mormente as instituições especializadas e a categoria obreira, além de sequer ter observado os regramentos e procedimentos de construção dos normativos de segurança e saúde no trabalho, os quais estão previstos na Portaria n.o 1.127 do MTE, o que de modo algum condiz com a tradição de amplo diálogo social do MTE, que sempre se pautou pela busca de consenso entre governo, empregadores e trabalhadores, a fim de legitimar suas regulamentações e privilegiar definições democráticas que impliquem no mínimo de paz e harmonia social. 

Com efeito, a edição da Portaria n.o 595 se deu ao arrepio das previsões contidas na Portaria n.o 1.127 do MTE, a qual estabelece procedimentos para a elaboração de normas regulamentadoras relacionadas à saúde e segurança e condições gerais de trabalho, tais como: 

1)  Definição de temas a serem discutidos – art. 1o, I;

2)  Elaboração de texto básico no DOU – art. 1o, II;

3)  Publicação de texto técnico básico no DOU – art. 1o, III;

4)  Instalação de Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) – e art. 1o, IV;

5)  Considerar pesquisas de natureza científica e sugestões da sociedade – art. 2o, §1o;

6)  Precedência na elaboração de norma de elaboração de minuta de texto
básico produzido por Grupo Técnico (GT) e apresentado e discutido no âmbito do Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) – art. 3o, caput;

7)  Grupo Técnico (GT) composto por Auditores-Fiscais do Trabalho – especialidade Saúde e Segurança no Trabalho – e integrado por profissionais pertencentes à Fundação Jorge Duprat de Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) e entidades de direito público e de direito privado, ligadas à área objeto de regulamentação pretendida – art. 3o, §1o –, e, com representação proporcional de profissionais da área de saúde e segurança do trabalho, nos casos em que a norma, objeto de elaboração ou revisão, possuir conteúdos relacionados à saúde e segurança do trabalho – art. 3o, §5o;

8)  Prazo de 60 (sessenta dias) para que o Grupo Técnico (GT) elabore o texto técnico básico;

9)  Publicação do texto básico no DOU para conhecimento, análise e sugestões da sociedade – art. 4o;

10) Prazo para recebimento de sugestões de 60 (sessenta) dias, contados da publicação – art. 4o, §1o;


11) Instituição de Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) com a incumbência de analisar as sugestões recebidas e elaborar a proposta de regulamentação do tema – art. 5o;


12) Apresentação pelo Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) à Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) da proposta de regulamentação – art. 7o;


13) Deliberações da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) sempre buscando o consenso – art. 7o, parágrafo único. 

Não obstante, nenhum dos procedimentos acima destacados foi observado na edição da Portaria n.o 595. 

Giza-se que, conforme os ditames da Portaria n.o 1.127 do MTE, não se confundem a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) – a qual possui caráter absolutamente político –, o Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) e o Grupo Técnico (GT) – os quais possuem caráter técnico especializado –, tratando-se de órgãos independentes, o que resta patente quando se considera a natureza permanente daquele e a natureza provisória destes. 

Nesse passo, cumpre atentar que tal questão foi tratada tão-somente no âmbito da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), ou seja, não houve criação de Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) e de Grupo Técnico (GT), que foram indevidamente suprimidos. 

Não houve, ainda, elaboração de texto básico por Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) com publicação no DOU e observância do prazo de 60 (sessenta) dias para conhecimento, análise e sugestões da sociedade. 

Ademais, não foram consideradas pesquisas de natureza técnica e científica. 

Cumpre ressaltar que a primeira oportunidade em que a questão tratada na Portaria n.o 595 foi levada ao debate na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) ocorreu em reunião realizada em 25/11/20142. 

A proposta original era de alteração do Anexo de Radiações Ionizantes consistente na indicação de que as atividades com raio-X móvel não deveriam ser consideradas como perigosas. Contudo, foi ponderado pelo Diretor Técnico da FUNDACENTRO que a revisão do quadro implicaria na necessidade de convocação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o que poderia causar embaraço na referida pretensão, razão pela qual foi decidido pela edição de “nota explicativa”. 

Porém, a “nota explicativa”, em verdade, alterou substancialmente a Portaria n.o 518, mormente considerando que esta trouxe como razões para sua edição “(...) que qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radioativas é potencialmente prejudicial à sua saúde” e “(...) que o presente estado da tecnologia nuclear não permite evitar ou eliminar o risco em potencial oriundo de tais atividades (...)”. 

Ora, a Portaria n.o 595 efetivamente alterou o texto original da Portaria n.o 518, não se tratando, portanto, de mera “nota explicativa”. 

Giza-se que o “Quadro de Atividades e Operações Perigosas” constante na Portaria n.o 518 (conforme consta expressamente no seu art. 1°) foi aprovado pela CNEN, mas não há qualquer referência, na Portaria n.o 595, no sentido de que também teria sido aprovada pela CNEN. Pelo contrário, as atas das reuniões da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) evidenciam que a própria CNEN restou preterida. 

Com o devido acatamento, desde a publicação da Portaria n.o 3.393 do MTE, de 17/12/1987, consolidou-se o entendimento nesta Justiça Especializada no sentido de que a exposição a radiações ionizantes, mesmo que oriundas de aparelhos de raio-X móvel, são nocivas à saúde do trabalhador. Deveras, são incontáveis as decisões que assim entenderam, as quais se fundamentam em reiterados laudos técnicos e no exame das mais diversas provas, inclusive artigos científicos, que indicam riscos à saúde pelo trabalho sob efeitos das radiações ionizantes. 

Sinala-se, ainda, que a nota não faz qualquer referência a eventual avanço tecnológico ou científico ou estudo que justifique o tratamento diferenciado para as radiações ionizantes oriundas de aparelhos móveis. Trata-se, como se verifica, de medida meramente política, não técnica ou científica

Ora, se a utilização de aparelho de raio-X móvel não causa ameaça de riscos à saúde dos profissionais que estão submetidos aos seus efeitos, se o trabalho realizado com essa aparelhagem em centros de tratamento intensivo, emergências, centros de recuperação e leitos de internação não configurariam mais salas de irradiação, nenhuma consequência adviria do uso de aparelhos de raio-X móvel pelos profissionais que os operam, inclusive. 

A rigor, diferentemente do que estabelece a Portaria n.o 595, o agente tipificador do trabalho como periculoso é a emissão da radiação ionizante, não o aparelho que a emite, de modo que seja fixo ou móvel, o aparelho emite radiação e expõe os trabalhadores aos riscos decorrentes, tanto que a própria Portaria n.o 518 não fez distinção entre aparelhos de raio-X fixos e móveis. 

Nesse mesmo sentido apontam a Orientação Jurisprudencial n.o 345 da SDI – 1 do TST e a Súmula n.o 42 do Regional Gaúcho, que não fazem qualquer distinção entre exposição à radiação ionizante proveniente de equipamento de raio-X fixo ou proveniente de equipamento de raio-X móvel. 

Ademais, sequer houve estudo técnico e científico realizado por especialistas e mesmo participação de especialistas técnicos e cientistas na elaboração da Portaria n.o 595. 

Não se pode deixar de sublinhar, outrossim, o equívoco em relação à conceituação do adicional de periculosidade cometido na pretensa nota técnica3 que supostamente daria amparo à Portaria n.o 595, na medida em que sinaliza que o adicional de periculosidade “é representado pelo contato permanente do empregado com materiais ou formas de energia que eventualmente podem reagir e atingir a integridade física de forma violenta, tais como explosivos, inflamáveis ou energia elétrica.” 

Segundo o mais adequado entendimento doutrinário e a consolidação jurisprudencial consubstanciada na Súmula n.o 364 do TST, o direito ao adicional de periculosidade não se restringe ao empregado exposto permanentemente às condições de risco, possuindo direito ao percebimento do adicional de periculosidade os empregados expostos de forma intermitente. 

Deve-se atentar, outrossim, terem preponderado interesses políticos e financeiros à saúde e segurança do trabalhador, o que resta evidenciado na medida em que foi consignado na ata da reunião da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP)4 que “(...) independentemente do posicionamento da representação empresarial em relação ao anexo de radiações ionizantes da NR-16, em razão de leituras equivocadas do quadro de atividades por alguns peritos, a Comissão poderia aproveitar a alteração que está sendo proposta para Raios X Móvel e deixar claro como o quadro deve ser realmente lido, minimizando em muito o problema que o segmento empresarial vem tendo com perícias mal sucedidas sobre radiações ionizantes.” Além disso, a motivação para a alteração levada a efeito foi no sentido de que “ (...) isso poderá gerar um passivo aos cofres públicos de mais de 1 bilhão de reais (...)”, o que, certamente, não pode ser tolerado e muito menos chancelado por esta Justiça Especializada, cujo escopo maior certamente encontra seu núcleo duro no princípio da proteção do trabalhador. 

Ressalta-se: no momento em que a política econômica do país se encaminha para uma brutal redução de gastos da União, com profundos cortes de orçamento em praticamente todas as áreas, como amplamente noticiado na imprensa, surge a Portaria n.o 595, que se alia ao intuito de reduzir despesas às custas da saúde de inúmeros trabalhadores que se encontram sob os efeitos nocivos das radiações ionizantes. 

Por fim, a comprovar a real motivação político- econômica da Portaria n.o 595, não foi observado o prazo para que a representação dos trabalhadores apresentasse seu posicionamento sobre a proposta. 

Em 29/04/2015, a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) deu por encerrado o debate acerca da matéria e encaminhou a proposta na forma de Minuta de Portaria para avaliação, assinatura e publicação, sustentando que a bancada de trabalhadores teria se posicionado contra a publicação de tal Portaria, quando, em verdade, a bancada dos trabalhadores sequer se posicionou a respeito, e, ao que tudo indica, não foi intentada decisão consensual. 

Com efeito, foi conferido à bancada dos trabalhadores prazo até o dia 30/04/2015 para apresentar seu posicionamento, porém a Minuta da Portaria já fora aprovada em 29/04/2015, consoante demonstra a ata antes citada. 

Em suma, a Portaria n.o 595 do MTE não observou previsões contidas na Portaria n.o 1.127 do MTE, a qual estabelece procedimentos para a elaboração de normas regulamentadoras relacionadas à saúde e segurança e condições gerais de trabalho, a saber: elaboração de texto básico no DOU; publicação de texto técnico básico no DOU; instalação de Grupo de Trabalho Tripartite (GTT); consideração de pesquisas de natureza científica e sugestões da sociedade; precedência na elaboração de norma de elaboração de minuta de texto básico produzido por Grupo Técnico (GT) e apresentado e discutido no âmbito do Grupo de Trabalho Tripartite (GTT); instalação de Grupo Técnico (GT) composto por Auditores-Fiscais do Trabalho – especialidade Saúde e Segurança no Trabalho – e integrado por profissionais pertencentes à FUNDACENTRO e entidades de direito público e de direito privado, ligadas à área objeto de regulamentação pretendida, e, com representação proporcional de profissionais da área de saúde e segurança do trabalho, nos casos em que a norma, objeto de elaboração ou revisão, possuir conteúdos relacionados à saúde e segurança do trabalho; prazo de 60 (sessenta dias) para que o Grupo Técnico (GT) elabore o texto técnico básico; publicação do texto básico no DOU para conhecimento, análise e sugestões da sociedade; prazo para recebimento pela sociedade de sugestões de 60 (sessenta) dias, contados da publicação; instituição de Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) com a incumbência de analisar as sugestões recebidas e elaborar a proposta de regulamentação do tema; apresentação pelo Grupo de Trabalho Tripartite (GTT) à Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) da proposta de regulamentação; e deliberações da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) sempre buscando o consenso. 

Destarte, não tendo a Portaria n.o 595 atendido os requisitos mínimos para a sua edição, é NULA, nos termos do art. 166, IV, V e VI, do CC, devendo ter sua nulidade pronunciada por esta Justiça Especializada, conforme preceitua o art. 168, parágrafo único, também do CC, que se aplicam por analogia. 

Assim, resta evidenciado que a Portaria n.o 595 do MTE padece de vícios formais insanáveis e é absolutamente arbitrária, não se podendo conferir validade e/ou eficácia a restringir direito trabalhista amplamente discutido e reconhecido por esta Justiça Especializada HÁ QUASE 30 (TRINTA) ANOS, sob pena de violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório, consagrados no art. 5o, LIV e LV, da CF, e, outrossim, do art. 87, parágrafo único, I, da CF, e do art. 155 da CLT, na medida em que não observados os procedimentos previstos na Portaria n.o 1.127 do MTE. 

DA INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N.o 595 DO MTE – DA IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS – DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA – DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL 

Ressalta-se, primeiramente, a impossibilidade de aplicação da Portaria n.o 595 do MTE com relação aos contratos de trabalho em vigor antes da sua edição, haja vista ser a mesma restritiva de direitos trabalhistas, não podendo, portanto, atingi-los. 

Com efeito, o direito ao adicional de periculosidade a todo trabalhador submetido a risco salutar está previsto nos arts. 193 e 200, VI, ambos da CLT, os quais estão em absoluta consonância com o disposto no art. 7o, XXII, da CF, combinados com os ditames da Portaria n.o 3.393 e 518, ambas do MTE. 

A superveniência de pretensa nota explicativa referentemente à Portaria n.o 518, inserida mediante a edição da Portaria n.° 595, não pode ensejar a modificação do entendimento de pertinência do adicional de periculosidade, só porque as radiações provêm de aparelhos móveis de raio-X. Dentre outras razões, porque a alteração do entendimento é prejudicial ao trabalhador cuja vigência do contrato iniciou antes da edição e publicação da referida Portaria n.o 595. 

Com efeito, a Portaria n.o 595 afronta, sobremaneira, o disposto no art. 7o, XXII, da CF, na medida em que a referida norma constitucional é expressa em estabelecer que são direitos dos trabalhadores, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a REDUÇÃO dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, ou seja, a Carta Magna autoriza tão-somente a criação de normas de saúde, higiene e segurança para REDUZIR os riscos inerentes ao trabalho, nunca ampliá-los. 

Nessa senda, a Portaria n.o 595 vai de encontro ao disposto no art. 7o, XXII, da CF, na medida em que despreza, absolutamente, os riscos a que se submetem os trabalhadores em face da exposição às radiações ionizantes por meio de aparelhos de raio-X móvel. 

No que concerne à mais adequada interpretação da Portaria n.o 595, impõe-se atentar não ser aplicável ao contrato de trabalho em vigor antes de sua publicação, considerando os princípios da norma mais benéfica e da condição mais benéfica, porquanto a condição anterior à edição da Portaria n.o 595 aderiu ao contrato de trabalho e, por conseguinte, ao seu patrimônio jurídico do trabalhador. 

Nessa senda, a condição mais vantajosa estipulada em contrato de trabalho ou constante em regulamento de empresa, bem como em lei ou norma de qualquer natureza, prevalece, independentemente da edição de normas supervenientes. Nesse sentido, aponta o entendimento vertido na Súmula n.o 51 do TST e, analogicamente, o consubstanciado na Súmula n.o 288, também do TST. 

Salienta-se, ainda, que em se tratando de norma legal, entende-se irrenunciável o direito incorporado ao seu patrimônio jurídico, especialmente in casu, considerando que a alteração trazida pela Portaria n.o 595 é de cunho meramente interpretativo, sobretudo considerando os vícios formais anteriormente destacados. 

De qualquer sorte, é vedada toda e qualquer alteração em prejuízo ao empregado, ex vi do disposto no art. 468 da CLT, consagrador do princípio da proteção. 

Portanto, a Portaria n.o 595 do MTE não incide sobre o contrato de trabalho do trabalhador, que iniciou sua vigência sem a restrição contida naquela. 

Há também que se considerar qual é a eficácia jurídica da referida “nota explicativa”: trata-se de mera interpretação, isto é, simples análise hermenêutica que o MTE faz da Portaria n.o 518, e tecnicamente equivocada, conforme já destacado – da Portaria n.o 518. Não tem, portanto, eficácia para criar, extinguir, modificar ou impedir direitos. Ora, vale lembrar que a interpretação da lei cabe ao Juiz e não ao MTE. Deve ser feita de forma a preservar direitos, até prova em contrário. 

Como se não bastasse, o direito ao adicional de periculosidade remanesce, ainda que se entenda incidente ao contrato de trabalho a referida Portaria n.o 595, o que se admite apenas para efeito de argumentação, quando restar sobejamente comprovado que a utilização do aparelho de raio-X móvel não era acompanhada das condições mínimas de segurança e prevenção, estabelecidas na legislação e nos próprios manuais de operação apresentados pelos fabricantes. 

Além disso, a Portaria n.o 595 do MTE não pode ser adotada sem a necessária verificação in loco das condições técnicas e fáticas em que os aparelhos móveis de raio-X são operados junto aos setores de trabalho. 

Isso porque, mesmo para os aparelhos móveis de raio-X, há toda uma previsão de normas de segurança estabelecidas pelo CNEN, pela Agência Nacional de Segurança Sanitária (ANVISA) e orientação dos próprios fabricantes no sentido de existência de risco e a imprescindibilidade de utilização de medidas de segurança e meios de proteção. 

Aliás, não se pode deixar de destacar que alguns hospitais apontam em suas manifestações técnicas e reconhecem nas defesas que a distância mínima para segurança do trabalhador no que respeita especificamente aos aparelhos de raio-X móveis é de dois metros

Nesses casos, não estando esta distância observada, em face dos próprios limites da defesa, estaria assegurado o direito ao adicional de periculosidade, mesmo para radiação ionizante proveniente de aparelho móvel. 

Por outro lado, OS PRÓPRIOS FABRICANTES DOS EQUIPAMENTOS RADIOLÓGICOS MÓVEIS PUGNAM PELA OBSERVÂNCIA DE NORMAS TÉCNICAS RECONHECIDAS MUNDIALMENTE, a exemplificar o disposto no manual da Siemens.8 Ou seja, não existindo blindagens, utilizações de proteções de chumbo etc, existem riscos à saúde do obreiro, ao contrário da previsão contida na Portaria n.o 595. 

É digna a transcrição de trecho extraído do manual da Sedecal (p. 13, item 2.4) grifos nossos: 

A Portaria n.o 595 não pode ser adotada como limite ao direito ao adicional de periculosidade, sem qualquer aferição se as normas de segurança de operação dos aparelhos e as normas de proteção dos trabalhadores expostos são efetivamente observadas. 

Caso assim não se entenda, o que também se admite para efeito de argumentação, cumpre registrar que o reconhecimento do direito sobre as parcelas vencidas e a preterição das parcelas vincendas implica em redutibilidade salarial, que é vedada pelo ordenamento jurídico, forte no art. 7o, VI, da CF, que consagra o princípio da intangibilidade salarial, segundo o qual se deve garantir ao trabalhador perceber a contraprestação a que faz jus por seu trabalho, de maneira estável, não sujeita as oscilações da economia e às instabilidades do mercado ou mesmo circunstâncias político-jurídicas. 

Nesse sentido, recente julgamento realizado pela Colenda 1a Turma do Egrégio Regional Gaúcho, em 01/07/2015, que teve como Relatora a Desembargadora Íris Lima de Moraes, e participaram a Desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, que acompanhou o voto proposto pela Relatora, e o Desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, cujo voto restou vencido, no qual se entendeu que a Portaria n.o 595 do MTE incide tão- somente a partir de sua edição, ou seja, a partir de 07/05/2015, não tendo, portanto, efeitos retroativos, porquanto restritiva aos direitos trabalhistas. É digna a transcrição da ementa e de trecho da aludida decisão: 

“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÕES IONIZANTES. O acompanhamento de pacientes na realização de exame de Raio-X, com a permanência do profissional na área de risco, mesmo que de forma intermitente, enquadra-se como atividade periculosa, limitando-se o pagamento em parcelas vencidas até a edição da Portaria 595/15. Recurso da reclamante parcialmente provido.” 

“Em relação às parcelas vincendas, incide a Portaria no. 595 de 07.05.2015, ao incluir Nota Explicativa no Quadro Anexo à Portaria 518/2003, nos seguintes termos: "Não são consideradas perigosas, para efeito deste anexo, as atividades desenvolvidas em áreas que utilizam equipamentos móveis de Raios X para diagnóstico médico", definindo, inclusive, que tais áreas referem-se a: "emergências, centro de tratamento intensivo, sala de recuperação e leitos de internação não são classificadas como salas de irradiação em razão do uso do equipamento móvel de Raios X". Referido ato administrativo não explicita de forma clara as razões cientificas e técnicas que conduziram à restrição que estabelece, em que pese a Portaria no 518/03 considerar que "qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radioativas é potencialmente prejudicial à sua saúde". Isso posto, acrescida a regra geral de que a Lei vale para o presente e futuro, não confiro eficácia retroativa à Portaria 595/15, máxime considerando que é restritiva da direitos trabalhistas.” 

Destarte, não se pode conferir validade e/ou eficácia à Portaria n.o 595 do MTE, ou, caso não se entenda pela sua inaplicabilidade, deve ser determinada a complementação do laudo pericial, com arrimo no art. 515, §4o, do CPC, sob pena de afronta ao art. 5o, LIV e LV, e ao art. 7o, XXII e XXIII, ambos da CF, e ao art. 194, caput, e ao art. 195, caput, ambos da CLT, considerando a superveniência da Portaria n.o 595 à elaboração do laudo pericial, ou, caso assim não se entenda, a Portaria n.o 595 do MTE deve ser aplicada tão-somente a partir de sua edição, ou seja, a partir de 07/05/2015, não lhe conferindo efeitos retroativos. 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES 

A Portaria n.o 518 do MTE nada refere quanto à distância segura e o tempo mínimo de exposição necessário para que o obreiro faça jus à percepção do adicional de periculosidade, adotando, portanto, um critério qualitativo da análise do agente periculoso. A análise qualitativa está amparada no efeito cumulativo das radiações ionizantes no organismo humano, que podem ser estocásticos ou determinísticos. 

Reitera-se que a Portaria n.o 518 não diferencia a origem da radiação emitida no que concerne ao tipo de aparelho radiológico utilizado, ou seja, se oriunda de aparelho radiológico fixo ou móvel. Explica-se: os aparelhos radiológicos, sejam fixos ou móveis, não possuem no interior do cabeçote qualquer elemento radioativo, de modo que a radiação é produzida artificialmente, originando uma onde eletromagnética. Observa-se que, possuindo a radiação ionizante natureza de onda eletromagnética, passível de sofrer fenômenos físicos, tais como, difração, reflexão etc. 

Salienta-se que, a despeito de não existir nenhum tipo de elemento radioativo no interior de nenhum dos tipos de equipamento radiológico, estão comprovadas as patologias ocasionadas pela exposição habitual e, no mínimo, intermitente do ser humano a elas. 

Nessa senda, inexistindo diferença em relação ao funcionamento dos aparelhos de raio-X, não há falar em ausência de direito ao adicional de periculosidade em relação a radiação oriunda de aparelho móvel. Frisa-se: a única diferença existente entre as radiações dos aparelhos é a intensidade das radiações ionizantes produzidas, inexistindo qualquer comprovação de que somente as radiações ionizantes provindas de aparelho fixo causem malefícios à saúde humana. 

Sinala-se que a intensidade das radiações só traz uma diferença prática, qual seja, a área de risco produzida, pois a do aparelho fixo é cerca de um metro maior que ao aparelho móvel. Todavia, em virtude da natureza de onda eletromagnética, a radiação se espalha pelo ambiente, transformando-o em área de risco, ainda mais se considerarmos a inexistência de blindagens nas divisórias e paredes, bem como a não utilização de equipamentos de proteção plumbíferos. 

Observa-se que o obreiro, muitas vezes, que está contendo/posicionando um paciente, por exemplo, se encontra na linha reta do chamado feixe primário da radiação, que, ao entrar em contato com o paciente e com o trabalhador, reflete, o que origina a chamada radiação secundária. Assim, a área de risco se torna maior e atinge até mesmo leitos lindeiros, tendo em vista a caótica realidade dos nosocômios brasileiros, sendo impensável imaginar a observância de distância segura entre os leitos, especialmente, em unidades de internação, emergências e unidades intensivas de tratamento, setores nos quais a Portaria n.o 595 vem justamente excluir o direito à percepção do adicional de periculosidade. 

Ainda, necessário aduzir que a esmagadora maioria dos nosocômios não fornece todos os tipos de equipamentos de proteção plumbíferos (protetor de tireoide, protetor de gônodas, avental, óculos, biombo de chumbo), observando-se que o atual estado da tecnologia nuclear não permite que os riscos sejam reduzidos à zero, bem como não adotam medidas de proteção efetivas, sem mencionar a falta de sinalização e fiscalização das chamadas “áreas controladas”. 

Além disso, o trabalhador não está ciente dos planos de radioproteção adotados e todos os males ocasionados pelos efeitos cumulativos da radiação no seu organismo. Ainda que ciente, não lhe resta outra alternativa senão executar seu trabalho com zelo para preservar a relação de trabalho. 

Portanto, é possível inferir que não existindo diferença no funcionamento dos aparelhos radiológicos, bem como levando em consideração a área de risco produzida, não pode a Portaria de n.o 595, cujos vícios formais já foram apontados, suprimir o direito ao adicional de periculosidade nos casos de exposição ao raio-X móvel, pois o trabalhador está exposto de igual forma às radiações ionizantes ou até mesmo de forma mais comprometedora, uma vez que os exames radiológicos feitos nos leitos ocorrem em maior escala do que os realizados pelo aparelho fixo. 

 

Marí Rosa Agazzi é advogada na área de Direito do Trabalho e Acidentário (Saúde do Trabalhador).