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A contrarreforma da previdência e a privatização do Fundo Previdenciário: trabalhador abandonado na busca da aposentadoria digna

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Por: Tiago Gornicki Schneider

Em artigo anterior, denunciamos um dos mecanismos que estava sendo cogitado para a apropriação do fundo público previdenciário. Encaminhada a proposta de contrarreforma da previdência, esse mecanismo não se confirmou, mas a lógica segue perversa: trata-se, ao fim e ao cabo, da privatização do fundo previdenciário, abandonando o trabalhador à própria sorte na busca de uma aposentadoria digna. Explica-se.

Hoje, a Previdência Social, até o teto do regime geral, constitui um sistema solidário e público. Quem pretender uma aposentadoria superior ao teto (tanto para trabalhadores do regime geral, como para os servidores públicos que ingressaram após a constituição de fundos complementares, nos moldes da EC 41/2003) deve procurar o sistema financeiro, através de algum plano de previdência complementar, na busca de constituir um fundo para a aposentadoria. 

Entre os itens propostos na contrarreforma da previdência encaminhada pelo Governo, está a criação do regime de capitalização, nos moldes implantados no Chile. Cumpre destacar que, implantado na década de 80, durante a ditadura de Pinochet, o sistema chileno já dá sinais claros de falência, com o pagamento de baixos valores de aposentadoria e uma onda crescente de suicídios entre idosos. 

A proposta encaminhada ao Congresso estabelece “gestão das reservas por entidades de previdência públicas e privadas, habilitadas por órgão regulador, assegurada a ampla transparência dos fundos, o acompanhamento pelos segurados, beneficiários e assistidos dos valores depositados e das reservas, e as informações das rentabilidades e dos encargos administrativos”. Na prática, isso significa a privatização de todo o fundo público previdenciário.

De fato, instituído tal regime, tudo que o trabalhador contribuir para sua previdência poderá ser gerido pelo sistema financeiro. Isso cria, na prática, um mercado bilionário de seguros e previdência complementar. Importante observar que, na história brasileira, alguns fundos de previdência complementar enfrentaram problemas de déficit que implicam no inadimplemento de aposentadorias; a título exemplificativo, o Instituto AERUS, da antiga VARIG.

Com a proposta agora encaminhada, não será apenas a complementação de aposentadoria que será submetida ao risco de mercado; caso tenha prejuízo o fundo de capitalização, todo o benefício do trabalhador estará sob risco. Efetivamente, se por ventura alguma crise econômica gerar perdas nas entidades de previdência, o trabalhador, no momento de sua aposentadoria, pode se ver privado de qualquer espécie de benefício. Há uma mudança estrutural na previdência: ao invés de pública e solidária, será privatizada e de risco.

Destaca-se, ainda, que a contrarreforma abre caminho para que os empregadores (inclusive os entes federativos em relação aos servidores) sejam desobrigados de auxiliar os trabalhadores na constituição do fundo de aposentadoria. A emenda constitucional proposta remete à legislação a regulamentação do sistema, estabelecendo como mera diretriz a “possibilidade de contribuições patronais e do trabalhador, dos entes federativos e do servidor, vedada a transferência de recursos públicos”. 

Isso significa que, na prática, uma lei complementar pode muito bem estabelecer que contribuições patronais e dos entes federativos serão facultativas, colocando sob os ombros da classe trabalhadora toda a responsabilidade de poupar para a aposentadoria e todos os riscos próprios do mercado financeiro. Combinada com a precarização do trabalho reforçada pela Contrarreforma Trabalhista, tem-se o cenário ideal para a desassistência dos trabalhadores justamente quando mais precisam, no momento em que deveriam se aposentar.

Importa destacar que esse é apenas um dos deletérios aspectos da contrarreforma da previdência; certamente uma análise acurada revelará outros problemas e ataques aos direitos sociais. Por isso, é necessário aglutinar forças, a fim de que as ruas brasileiras sigam ecoando as palavras de ordem contrárias à Reforma da Previdência.  

Tiago Gornicki Schneider é advogado na área de Direito Público, tratando de questões de interesse de servidores públicos e de suas entidades representativas.

Foto: Sindisaúde-RS